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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Uma Herança Digna…

 



UMA HERANÇA DIGNA DE SER REIVINDICADA



Na opinião da maioria, meu nariz era igual ao de minha tia-avó Dorothy. Esse foi o consenso geral de uma daquelas conversas sem muita coerência durante reuniões de família, quando eu era ainda criança. Não que esse fosse um tópico importante para se tratar à mesa, devo admitir. 

Entretanto, parecia haver um interesse coletivo na razão pela qual esse meu traço fisionômico arrebitado, em particular, fosse tão diferente do perfil de meus pais. Portanto, de forma imprecisa, e em meio a fugazes lembranças e uma ou duas fotos antigas, minha individualidade foi explicada como hereditária.
O nariz de minha tia, as mãos iguais às do meu avô, as sardas de alguém que havia vindo de navio da Inglaterra séculos atrás. Eu parecia um prato onde juntaram todas as várias sobras depois de um piquenique em família. Essa não é uma perspectiva muito gratificante, mas é muito frequente.
A ascendência tem sido há muito tempo uma maneira de identificar os traços dos indivíduos, das famílias, das tribos e das nações. 

Ao longo do tempo, a teoria por trás dela tem se expandido, retraído, sido revisada e reelaborada, a fim de acompanhar a maneira como pensamos sobre nós mesmos. 

Extensos pergaminhos de linhagem real, escritos à mão, deram lugar a sequências de códigos bioquímicos gerados por computador. Os registros de escribas sacerdotais foram transferidos a geneticistas com seus jalecos de laboratório.

No entanto, as premissas subjacentes à hereditariedade vieram para ficar e estamos presos a uma extensa linhagem de progenitores humanos, cada um passando adiante não apenas suas habilidades, mas também suas deficiências. 

Virtualmente, todas as disfunções, atrasos no desenvolvimento e doenças são hoje definidos em termos de um elo genético. 

Consequentemente, enquanto a origem de nossa identidade for buscada na matéria física, a panaceia permanece elusiva. Talvez toda a premissa de sofrimento humano deva ser reexaminada.

“A base das discórdias dos mortais é um conceito errado acerca da origem do homem”, escreveu Mary Baker Eddy, que foi a pioneira do sistema espiritual de cura na Ciência Cristã. 

“Começar certo é acabar certo” (Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, p. 262).

Temos uma escolha a fazer. Começar pela matéria ou começar pelo Espírito. É como ficar entre dois trilhos de trem. Uma linha que chega e a outra que parte. A divergência não poderia ser mais extrema.

O homem não é uma constituição física limitada com uma vida útil limitada, mas é uma ideia eterna.

Tomemos as palavras genética e gênesis. Ambas provêm da mesma raiz grega para “origem” ou “começo”. 

Entretanto, enquanto a genética se aprofunda na matéria em busca de uma sinopse física da nossa identidade, o gênesis nos conduz à Bíblia e suas palavras de abertura, elevando o pensamento para cima e para fora da matéria: “No princípio, criou Deus [Espírito] os céus e a terra” (Gênesis 1:1).

Será que estamos de volta à discussão infindável sobre evolução versus criacionismo? Não. Nós não estamos diferenciando duas teorias sobre a origem de um universo material. 

O primeiro capítulo do Gênesis é uma bela e poética expressão da grandeza e inteligência de uma criação consistente com a natureza de Deus. Revela uma progressão do simples ao complexo, dentro do contexto do Espírito. 

É inteiramente boa e o homem (tanto macho quanto fêmea) é a imagem e semelhança de Deus. Portanto, como o semelhante produz o semelhante, o Espírito produz o homem espiritual. 

O homem não é uma constituição física limitada, com uma vida útil limitada, mas é uma ideia eterna, a expressão perpétua da sabedoria e amor infinitos de Deus.

Ao identificarmos a nós mesmos como o efeito espiritual de uma causa espiritual, podemos encontrar cura e restauração das condições e circunstâncias materiais, mesmo nas mais inflexíveis. 

Há uma bela ilustração disso no Evangelho de João, quando Jesus e seus discípulos se defrontam nas ruas de Jerusalém com um homem cego de nascença. 

Segundo a teoria amplamente aceita da época, somente uma ofensa contra Deus poderia causar defeitos congênitos.

A cegueira do homem era inconsistente com a natureza de Deus que tudo sabe e tudo vê

Em seguida, seus seguidores perguntaram: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego”? (João 9:2). 

De fato, eles estavam perguntando: “Qual a origem da deficiência desse homem”?

Jesus não lhes deu a resposta que esperavam, mas disse: “Nem ele pecou, nem seus pais” (João 9:3). 

A situação não era sobre a culpa (nem sobre os subsequentes sentimentos de culpa que podiam ter oprimido aquela família). Era simplesmente uma oportunidade, disse Jesus, para que fosse constatado o poder sanador de Deus.

De uma perspectiva espiritual, a cegueira do homem era inconsistente com a natureza de Deus, que tudo sabe e tudo vê. O homem, como a imagem e semelhança divinas, reflete a natureza de Deus. O que definia o homem, a matéria ou o Espírito? 

Para demonstrar qual origem deveria ser reverenciada, Jesus cuspiu na terra, passou a mistura barrenta nos olhos do homem e lhe pediu que os lavasse bem. Quando o homem obedeceu, descobriu que podia ver.

Não demorou para que esse homem compreendesse que a autoridade de Deus estava em ação no ministério de Jesus. 

Quando o homem confessou isso publicamente, foi ridicularizado e rejeitado pelas autoridades do Templo. 

Uma maravilhosa cura havia ocorrido: “Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença” (João 9:32). 

Entretanto, o sistema em vigor da época desconsiderou a explicação espiritual da cura do homem e repudiou o que Jesus oferecia à humanidade.

Nada da bondade e do poder de Deus se perdeu nas gerações seguintes desde Jesus.

A cegueira pode assumir muitas formas. Ela pode rejeitar a evidência que não está de acordo com suas próprias teorias. 

A ascendência é uma área de especulação que revela nossos mais acalentados preconceitos. 

A própria linhagem de Jesus era controversa no meio dos judeus, que estavam esperando pelo Messias prometido. Seria ele um nazareno? O filho de um carpinteiro? Poderia ele realmente reivindicar que era da semente de Davi e assim cumprir a profecia?

O próprio Jesus instou uma redefinição radical de linhagem, quando recomendou: “A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está nos céus” (Mateus 23:9). 

Reconhecer Deus como o único Pai-Mãe verdadeiro, recoloca a herança junto às linhagens espirituais, e descobrimos que todos nós somos “co-herdeiros com Cristo” (ver Romanos 8:17), com todas as bênçãos e glórias que esse fato traz.

Nada da bondade e do poder de Deus se perdeu nas gerações seguintes, desde que Jesus caminhou pelas empoeiradas ruas de Jerusalém. 

Purificar a nós mesmos de um senso material acerca da nossa própria história, como fez o homem cego, traz cura para as condições hereditárias de hoje também.

Comecei a compreender o que significava reivindicar a Deus como meu Pai-Mãe.

Em minha própria vida, não foram apenas as características físicas que foram levadas em conta entre as coisas que eu havia herdado. 

Como muitos parentes antes de mim, comecei a sofrer desde a adolescência de sintomas do que hoje é conhecido como distúrbio bipolar. Essa debilidade trouxe um grande problema para toda minha família. O alcoolismo e o suicídio faziam parte de seu trágico legado. Não havia cura pela medicina para esse mal. Disseram-me que ele fazia parte de quem eu era, algo com o qual teria de conviver e que podia, até certo grau, ser abrandado por meio de terapias diversas.

Ao saber disso, minha mãe sugeriu que eu pesquisasse a cura pela Ciência Cristã. Na ocasião, eu não via como a oração poderia mudar a identidade de alguém. Mas eu gostava muito das histórias de redenção e restauração na Bíblia e do modo como a Ciência Cristã as explicava, explicação essa fundamentada na lei divina, desconsiderando o que as pessoas simplesmente supunham que fosse lei. Com Deus, todas as coisas são possíveis.

No terceiro ano da faculdade, enquanto pesquisava essas ideias metafísicas em maior profundidade, comecei a compreender o que significava reivindicar a Deus como meu Pai-Mãe, minha origem, meu princípio, meu gênesis. 

Toda a plenitude, equilíbrio, inteireza, beleza, paz e a alegria inabalável que pertencem a Deus, pertenciam a mim como Sua filha. O semelhante produz o semelhante. Essa era a minha verdadeira herança e foi uma conclusão tão natural que eu realmente não notei a mudança que estava ocorrendo em mim. 

Entretanto, sentia esse profundo amor por Deus como meu verdadeiro Pai-Mãe, gentilmente me reorientando de muitas maneiras construtivas.

Na Ciência Cristã, o DNA perde seu terror como o árbitro de nossas capacidades e incapacidades.

Quinze anos mais tarde, eu estava conversando com uma vizinha, cuja filha adotiva, uma de nossas babás favoritas, acabara justamente de receber o diagnóstico de distúrbio bipolar. Os sintomas que ela descreveu pareciam completamente estranhos para mim, e eu simplesmente acenei a cabeça com compaixão. Foi somente quando entrei em casa que me lembrei de repente que eu certa vez fora identificada com esse problema. Fiquei perplexa ao perceber que eu não havia pensado nisso nenhuma vez, desde a faculdade. O distúrbio tinha simplesmente desaparecido e nunca mais retornara. Alguém que tivesse me conhecido nos anos seguintes acharia absurdo que eu pudesse alguma vez ter sofrido disso. Rapidamente compartilhei tudo isso com minha vizinha que, pela primeira vez, sentiu-se encorajada pela possibilidade de libertação para sua filha também.

“Na Ciência o homem é o descendente do Espírito”, explica Ciência e Saúde. “O belo, o bom e o puro constituem sua ascendência” (p. 63). Que antídoto para uma sentença de condenação perpétua devido a um distúrbio genético! 

Na Ciência Cristã, o DNA perde seu terror como um árbitro de nossas capacidades e incapacidades. 

Por meio do raciocínio espiritual, podemos redefinir essa sigla em inglês como “Does Not Apply” (cuja tradução é “Não se aplica”) e em português talvez pudéssemos redefini-la como Deus Não Admite. Os filhos do Espírito não têm nenhum código material para limitá-los.

Será que isso significa que nós descartamos tudo o que recebemos dos nossos pais humanos? Se fizéssemos isso, correríamos o risco de violar o Quinto Mandamento: “Honra teu pai e tua mãe” (Êxodo 20:12). Ao contrário, o reconhecimento da herança espiritual de cada um de nós, incluindo nossos pais, concede-nos o maior tributo de todos. 

Ao levar avante o exemplo deles, ou seja, nada a não ser o melhor que sabemos deles, “o belo, o bom e o puro”, asseguramos um legado de honra duradoura, de geração a geração. Aquilo que não pertence primeiro a Deus, não pertence a eles também. Tem de ser deixado para trás sem nenhum nome e sem ninguém para reivindicá-lo agora … ou em alguma data futura.

Recebemos nossa herança diretamente de Deus.

Aquelas árvores genealógicas, que traçam uma repetição interminável da vida humana e da morte, são substituídas pela árvore espiritual da única Vida. 

As folhas dessa árvore, explica o livro do Apocalipse: “são para a cura dos povos” (ver Apocalipse 22:2).

Tantos dos conflitos do mundo têm suas raízes em feudos tribais, ou seja, disputas entre famílias, e continuam ao longo dos séculos. 

Com um único Deus, uma única Origem ou Pai-Mãe, essas antigas disputas entre nós desaparecem. Recebemos nossa herança diretamente de Deus. Ela não fica diluída, deslocada nem desonrada, ao longo do caminho. Está intacta e não diminuída. Todos recebem a porção completa do Amor infinito, inexaurível.

A igreja cristã primitiva se deleitava com um senso de família não mais fundamentado no parentesco humano, na cidadania ou cultura. Os participantes se davam conta de que reivindicavam uma herança espiritual que os libertava de um extenso espectro de deficiências físicas, injustiças sociais e fraquezas morais. 

O Apóstolo Paulo escreveu exuberantemente: “Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus. … Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gálatas 3:26–29).

Essa é a herança que não pode ser definida pelas gerações ou confinada pela genética. Ela oferece abundância espiritual ilimitada que libera todo o nosso potencial. Portanto, o que minha tia-avó Dorothy e eu realmente temos em comum é o mesmo Pai-Mãe, o Amor divino, e um legado em comum de Vida espiritual que individualiza para sempre cada um de nós como a expressão única do único Deus infinito!




Robin Hoagland

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